Resumo:
A dieta de espécies com ampla distribuição geográfica está sujeita a variações na disponibilidade e diversidade de alimentos, promovidas pela heterogeneidade de ambientes. Assim, populações de uma mesma espécie podem apresentar diferentes padrões de dieta, os quais podem ser associados a padrões biogeográficos. O atobá-marrom (Sula leucogaster) é uma ave marinha piscívora que ocorre em regiões tropicais e subtropicais. No Brasil, suas colônias localizam-se das Ilhas Moleques do Sul (MS) até o Arquipélago de São Pedro e São Paulo (SPSP), abrangendo 27º de latitude. Nesse contexto, o estudo buscou avaliar a variação da dieta de S. leucogaster na costa brasileira e testar sua relação com zoneamentos biogeográficos marinhos pré estabelecidos. Espera-se que a dieta da espécie apresente variações espaciais e que sua composição esteja enquadrada com zoneamentos biogeográficos marinhos. Para isso, foram revisadas publicações que descreveram a dieta da espécie através de análises de material regurgitado e de isótopos estáveis de carbono (δ 13C) e nitrogênio (δ 15N). A partir das informações obtidas, foram estimadas diferenças entre as colônias em relação ao nicho isotópico das aves e às comunidades de presas ingeridas, através do cálculo de frequência de ocorrência (FO%), abundância relativa por colônia e diversidade alfa. Por fim, as similaridades de presas utilizadas pelos atobás-marrons entre as colônias foram confrontadas com os limites dos zoneamentos biogeográficos: Large Marine Ecosystems (LME), Províncias Biogeoquímicas de Longhurst (PBL) e Províncias e Ecorregiões de Spalding (PESP). Foram compilados dados de 12 estudos publicados entre 2003 e 2019 referentes a nove arquipélagos: MS; Currais (CU); Cagarras (CA); Cabo Frio (CF); Santana (ST); Abrolhos (AB); Atol das Rocas (RO); Fernando de Noronha (FN) e SPSP. Adicionalmente, dados não publicados de FN foram incluídos nas análises. No total, foram avaliados dados isotópicos de 372 amostras e 878 regurgitos, somando 4201 presas, 42 famílias e 105 espécies. A maior diversidade alfa nas colônias costeiras e maior abundância relativa e ocorrência de presas de famílias tipicamente demersais, sugerem a exploração de descartes provenientes da pesca de arrasto no entorno dessas ilhas, com exceção de CA. Adicionalmente, as análises isotópicas indicaram padrão similar de diferenças nos valores de δ 15N, sugerindo que nas colônias costeiras são explorados recursos de posições tróficas maiores do que FN e RO. No entanto, esse padrão pode variar em AB, que apresenta nicho isotópico mais amplo, e em SPSP, cuja população difere geneticamente e fenotípicamente das demais colônias. Tanto as análises de regurgitos como de isotópos indicaram maior similaridade da dieta de ST com as colônias ao sul, dando maior suporte aos modelos biogeográficos LME e PBL em comparação com PESP, pois essa classificação agrupa ST com colônias ao norte. Os resultados sugerem uma ampla plasticidade trófica do atobá-marrom ao longo da costa brasileira, de modo que a dieta da espécie é potencialmente moldada pela oferta de recursos alimentares no entorno das colônias. Além disso, o presente estudo demonstra o potencial de uso da dieta para estudos biogeográficos, mesmo em organismos altamente móveis, como as aves marinhas.