Resumo:
A presente tese investiga quais os tensionamentos produzidos pelo regime de cispassabilidade e de suas pedagogias na constituição das corporalidades de sujeitos transgêneros que chegaram à docência da Educação Infantil (EI). Com esse propósito, a
partir do campo da Educação, têm como aporte teórico os Estudos de Gênero, as Epistemologias Transfeministas e os Estudos da Infância em uma perspectiva pós-estruturalista de análise. Como metodologia para a produção de informações, foram
realizadas entrevistas semiestruturadas por meio de videochamadas com oito pessoas transgêneras, quatro homens e quatro mulheres, que atuavam ou em algum momento haviam atuado como docentes da EI. Os eixos de análise apontaram a existência de um
forte controle, e por vezes, um intenso autocontrole em relação a suas vestimentas, a suas
expressões de gênero, a suas vozes e a alguns aspectos físicos, que intencionavam deixá-los longe das fronteiras e do traço ambíguo que expusesse o trânsito de gênero rente às normas de inteligibilidade. Evidenciaram o regime de cispassabilidade sendo colocado em prática, em alguns momentos, pelas próprias pessoas transgêneras dentro e fora dos espaços de EI, com o objetivo de invisibilizar suas identidades de gênero. De acordo com os relatos de todos/as interlocutores/as, tal estratégia funcionava como um mecanismo de proteção às violências transfóbicas. Mostraram que as mulheres trans que atendem aos scripts de feminilidade, chegando a uma cispassabilidade diante do olhar do outro, costumavam sofrer menos represálias durante suas atuações profissionais. Para os/as participantes da pesquisa, essas profissionais também teriam um maior acesso à docência da EI do que as
não cispassáveis; já os homens transgêneros com cispassabilidade teriam uma maior dificuldade em ocupar esses cargos, pois assim como os homens cisgêneros, ainda costumam ser vistos como potenciais abusadores. Reitera-se a importância de momentos de formação para profissionais da educação que atuam em creches e pré-escolas, com o
objetivo de tornar esses espaços mais acolhedores e plurais, sobretudo em relação às identidades de gênero diversas; e que a partir deles sejam enfraquecidos os discursos essencialistas sobre o que é ser menino ou menina e as estratégias de delineamento dos comportamentos, gostos e sentimentos amparados em uma concepção cisheteronormativa.