Resumo:
A colonização do Brasil instaurou profundas transformações territoriais, culturais e políticas
que impactaram intensamente os povos indígenas, entre eles os Kaingang. Suas formas de
organização social, línguas, práticas rituais e cosmopolíticas foram submetidas a processos
contínuos de violência, deslocamento e apagamento. Esses processos fazem parte de um projeto
colonial mais amplo, que exterminou diversos povos originários nas Américas durante e após a
invasão europeia. No sul do Brasil, essa violência se reproduz na narrativa histórica dominante
que insiste em representar os Kaingang como povos do passado, negando sua presença viva,
ativa e politicamente organizada no presente. Tal narrativa contribui para a deslegitimação de
suas identidades e reivindicações territoriais, reforçando estruturas coloniais que tentam
restringir a memória e a continuidade de seus modos de vida. Assim, a luta pela terra é, ao
mesmo tempo, uma luta pela memória política, pelo reconhecimento e pela continuidade das
existências Kaingang. É nesse contexto que se situa a Aldeia Kógūnh Mág, localizada em um
enclave territorial dentro da Floresta Nacional de Canela, unidade de conservação administrada
pelo Estado. Desde 2008, a comunidade reivindica o reconhecimento desse território como
tradicionalmente ocupado. Entretanto, para os Kaingang, o território não se limita ao registro
fundiário: ele é espaço de relação entre humanos e não humanos, lugar de ancestralidade,
transmissão de conhecimento, pertencimento e comunicação com outras dimensões do existir.
Esta pesquisa surge como resposta a uma demanda direta da liderança da aldeia, que conduz
um projeto político de “retorno ao cerne”, centrado na retomada territorial, na afirmação da
memória política e na continuidade do modo de vida Kaingang. A investigação feita juntamente
com o cacique, tem como objetivo contribuir para o monitoramento e o enfrentamento de
mecanismos de apagamento da memória política da comunidade. Para isso, utiliza-se o gesto
metodológico em memória política de Hernandez (2020) na escuta das narrativas daqueles que
emergem das políticas marginais. Para através destas enunciações elaborar Cartografias da
Memória Cosmopolítica da aldeia como ferramenta de inteligência territorial e estratégia de
resistência, na proteção da memória, bem como na defesa do território e projeção de futuros
possíveis. Os resultados identificaram fatores de ameaça como pressões externas de
apagamento, disputas de narrativa e invisibilização, bem como elementos de resistência, como
a retomada de práticas cosmológicas e a mobilização comunitária, onde fica evidente que sem
memória política, não há Retomada.