Resumo:
Esta pesquisa é o registro da interação entre as crianças do 4º ano do Ensino Fundamental de uma escola quilombola com a literatura oral africana — uma expressão artística que emerge das relações dos povos africanos por meio da oralidade, atravessa gerações e vem sendo modificada não só pelas características que lhes são intrínsecas, como a flexibilidade para se adaptar ao tempo e ao público, mas também pela forma como essas sociedades denunciam as marcas da colonização e subvertem suas narrativas. A realidade observada junto às crianças foi interpretada com base na historiografia do Quilombo de Morro Alto, onde a escola está localizada, e nas determinações da Lei nº 10.639/2003. Tal abordagem permitiu que a literatura oral africana fosse utilizada como um instrumento de valorização histórica e étnico-cultural. No que diz respeito aos fundamentos teóricos da pesquisa, foi fundamental compreender a natureza dessa arte e suas transculturações, o que exigiu uma análise prévia de como a oralidade organiza a literatura e a cultura dos povos africanos, com base nos estudos de Chabal (1994), Derive (2010), Finnegan (2016), Irele (2001; 2016), Leite (1998), Martins (2003) e Queiroz (2014). Os contos narrados foram extraídos da obra A África recontada para crianças (2020), de Avani Souza Silva — uma coletânea de histórias oriundas de países africanos colonizados por Portugal e que, assim como o Brasil, compartilham o idioma português. O estudo revelou a existência de barreiras, tanto por parte da escola quanto das crianças, em relação à história da comunidade negra de Morro Alto, bem como à cultura africana. Identificar essas barreiras nos ajuda a refletir sobre as dificuldades de implementação da Lei nº 10.639/2003, mesmo 22 anos após sua promulgação. Além disso, tais barreiras suscitam discussões sobre os conceitos de memória, território e a complexidade de conceituar uma literatura africana, considerando que não há uma língua comum em que essa literatura seja criada, tampouco uma única nação de onde ela provenha.